Literatúnel

Toda vez que sou convidada a comparecer às escolas para ver algum trabalho de alunos, tenho gratas surpresas e sou tomada por um sentimento de esperança.
O “Literatúnel” dos alunos da Escola Estadual Fernando Otávio mistura arte, criatividade, informação e prazer. O conhecimento é apenas o resultado final de quem se habilita a viajar no tempo.

Foi muito feliz a idéia de túnel, pois túnel é caminho e o trabalho nada mais é que um caminho dentro da história da literatura de Pero Vaz a Suassuna. Os estudantes mostram-se seguros na explanação e o professor Carlos faz questão de ressaltar a todo tempo o empenho de todos, a capacidade, a competência de seus alunos.

Um dia desses, pela manhã, quando fazia uma caminhada, ouvi “indiscretamente” um grupo de alunos desta mesma escola conversando. Uma moça dizia que aprendeu literatura em um ano mais do que em todos os anos estudados até então. E um outro arrematava: em um ano não, em horas, você quer dizer”.

Eu logo percebi que se tratava deste trabalho, pois já havia lido um artigo falando do mesmo neste jornal.

Volto pra casa um pouco mais aliviada. É que ando meio assustada com a educação. Estamos vivendo um momento de muitos erros. Talvez eu devesse dizer momento de crise. Erros são bons. Eles são irmãos dos acertos. As dúvidas geram perguntas e estas, por sua vez, dão vida às pesquisas, invenções, conhecimentos. Esta é a escola ideal, capaz de fazer o aluno criar, inventar, sonhar, participar e ser feliz.

Há dentro da educação e em seu entorno um clima de descrença. A indisciplina, o cansaço, a apatia, o desrespeito e o marasmo têm tomado conta das escolas. Espaços que deveriam ser moradia do prazer da descoberta, como as bibliotecas, têm se transformado em seu contrário, o que é lastimável. Mas não adianta ficar lamentando, criticando, sofrendo; é preciso atitude. É preciso mudar os rumos, buscar novas rotas, buscar entender o quê está se passando neste novo mundo. Redescobri-lo, quem sabe?

O trabalho apresentado pelos alunos da escola “Fernando Otávio” faz parte da cadeira de Literatura. Esta mesma que permeia toda nossa vida e que agora está, me parece, ameaçada de sair do currículo escolar. Desejo que tal informação seja mentirosa e equivocada e que a escola não só preserve a Literatura bem como a Filosofia. Algo me diz que a solução para vencermos a crise atual está em voltar o ensino na direção da formação humana, do pensamento, do sentimento, da sociedade. Fatores preponderantes nestas matérias: História, Arte, Literatura, Filosofia, Sociologia e é claro, Português. Parabéns aos alunos, ao professor Carlos. E fica registrada aqui minha emoção e, principalmente, meu depoimento de crença na educação que sai da sala de aula e ganha o universo e o verso.

Se há uma, duas, três pedras pelo caminho... nós passamos por ela, contornamos, cantamos e poetamos. É preciso, urgente, transformar pedras em possibilidades. Como fez meu poeta predileto, Júlio Saldanha, nesta paródia do grande poema de Drummond:

“No meio da pedra tem um caminho
Tem um caminho no meio da pedra
Tem um caminho
No meio da pedra tem um caminho.

Às vezes me esqueço deste pequeno detalhe
Que foge ao foco de minhas retinas tão distraídas
Às vezes me esqueço
Que no meio da pedra tem um caminho.
Tem um caminho no meio da pedra.”

Texto da escritora Ana Cláudia Saldanha sobre o Literatúnel, publicada no Jornal Diário de Pará de Minas e no site JC Notícias (http://www.jcnoticias.com.br/index.php?conteudo=noticias&subMod=cultura&Codigo=275)